sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Eça & Outras


 No Vale do Côa com Eça e outras


Sim, já sei que já ouviu falar, mas já lá foi? Ao Vale do Côa? Sabe que, tal como Mértola no Guadiana, este é o segundo projeto cultural português realmente implementado no terreno que veio tentar alterar a ronceirice do interior do país em todos os aspetos? Outros houve, outros estão a teimar, outros haverá, mas estes dois foram pioneiros e, pesem embora todos os avanços e recuos, ainda estão a funcionar. Por isso nos passados dias 12 e 13 de setembro fomos até ao Côa. Até arranjamos dois pretextos, um mais particular, outro mais universal: o primeiro, que diz respeito ao Gabinete de História, Arqueologia e Património da Confraria Queirosiana, é o de que este ano de 2015 se comemoram os 30 anos do início das escavações que puseram a descoberto as ruínas da granja romana na Quinta da Ervamoira, origem do Museu de Sítio aí existente inaugurado a 2 de novembro de 1997. As escavações, realizadas no verão e tendo terminado em 2004, duraram 20 anos e por elas passaram 174 pessoas diferentes, algumas delas vários anos. O segundo motivo, é que este ano também se comemoram os 25 anos do vinho Duas Quintas, criado por João Nicolau de Almeida, administrador da Casa Ramos Pinto, a partir das uvas desta propriedade e da Quinta dos Bons Ares
            Assim o autocarro partiu, e depois do pequeno-almoço em Vila Franca das Naves (as estações de serviço estavam fechadas), paramos em Marialva para vermos um sítio medieval quase belo, dos muitos e variados que há por aqui, que o Côa não é só gravuras paleolíticas, pese embora a sua mundial importância.
            Seguindo viagem até Chãs, aí foi o mudar de viaturas, que o grande autocarro não chega à Quinta. Catrapuz, catrapam, lá se chegou a Ervamoira, onde ainda a seletiva vindima demorava, mesmo tendo começado nos primeiros de agosto. Almoço delicioso na esplanada, vinhos belos, seguiu-se-lhe a visita às salas do Museu onde se explicou por duas vezes tintim por tintim a leitura dos painéis sobre as caraterísticas da região, o porquê do nome, a excecionalidade do sítio e das vinhas, a descoberta da estação a partir do sarcófago de pedra tempos antes de Nelson Rebanda revelar as gravuras, mas também aqui e agora a história da Casa Ramos Pinto e da sua Arte Publicitária e outras muitas artes que por aqui passam. Depois o percurso até ao rio, a matar saudades de banhocas famosas e ver o mato que agora cobre as ruínas que ainda não tiveram noivo rico nos projetos para a região.
            Depois o jantar, novo banquete de convívio, novos brindes, a surpresa do bolo, uma pasteleira recriação da quinta e da sua estação arqueológica com o arqueólogo sentado a olhar para o horizonte e a quem a azáfama do serviço esmurrou um pouco o nariz, mas não partiu os óculos. Parece que ninguém o comeu, pois escultura, ainda que em bolo feita, sempre é arte, ainda que efémera.
            Já bem noite, lá se subiu para os autocarros pequenos para o retorno a Chãs e partida para Foz Côa, a desabar na cama do hotel para ressonar aquele tinto divinal.
            Logo pela manhã do dia seguinte a visita ao Museu do Côa, tão gigante quanto o de Ervamoira é tamanhinho. Ali, bem recebidos e guiados para ver a Arte Paleolítica e o seu enquadramento arqueológico, a sua interpretação. Lembramo-nos aí do conto de Eça de Queirós “Adão e Eva no Paraíso”, onde em 1896 escreveu: «E Adão (oh, estranha tarefa!) muito absorto, tenta gravar, com uma ponta de pedra, sobre um osso largo, os galhos, o dorso, as pernas estiradas de um veado a correr!...». Desde então que se devia perceber a Arte Paleolítica, quer na sua vertente histórica, quer artística. Mais difíceis de aceitar seriamente são alguns aspetos da Arte atual que nos querem impingir. Por mim podem encher os museus e as galerias de arte com caixotes da fruta pintados que eu não bato palmas. Se forem privados, estimo-lhes as melhoras; mas se forem estatais ou autárquicos tal significa que o Estado e os poderes públicos estão a comprar hipotético lixo aos amigalhaços com o nosso dinheiro. As gravuras do Côa são Arte, memória e testemunho. O nosso tempo merece pelo menos o mesmo, e não a profusão de rabiscos esquizofrénicos, manchas coloridas dos borra-telas ou instantâneos de lixo que por aí proliferam, divulgados e hipervalorizados por quem nunca estudou, refletiu ou produziu teoria e análise sobre a Arte e a sua História. Por isso dispensava-se ali a presença das habilidades de vidraceiro nos corredores e cantos de aranha, e a do molho de lenha a ocupar toda uma sala, mas ele há lobbies para tudo a tentarem chamar-nos burros se não batermos palmas à songuice pseudo-intelectual que por aí grassa. Arte é outra coisa, mas isso fica para outra vez.
            Depois do Museu do Côa magnífico (belas, com e sem senão, sempre haverá) a partida para um almoço de bacalhau num restaurante local e depois partida para Trancoso, a vila bem simpática do casamento de D. Dinis e de D. Isabel e da batalha pela independência do Portugal de Avis. Interessante aqui, até como valor simbólico de quem quer permanecer no interior em zona tão pouco povoada, aquela estorieta do padre que produziu à sua custa mais de duzentos filhos através de incestos, bigamias, multigamias, estupros, violações, certamente exageradas (os vaidosos são assim) e toda uma atividade sexual de fazer corar de inveja os delírios do Marquês de Sade que viria muito tempo depois, o que lhe valeu o perdão de D. João II, que também não era nenhum santo. Provavelmente muitos dos filhos do religioso de Trancoso seriam portugueses (e castelhanos) judeus, que isto do instinto de procriação só depois do ato se lembra das religiões com que os invejosos se ornamentam. E, claro, o Bandarra, no túmulo e em estátua de bronze. Em período eleitoral bem que o município podia pô-lo a render com mais garbo pois estamos em plena saison das profecias. Dispensava-se aquela monumental gaiola em frente da torre do castelo.
            Mesmo com chuva nesta última fase da viagem, o proveito foi grande e não nos referimos apenas à degustação das célebres sardinhas doces ou aos encantos vinícolas da loja fronteira.
            Enfim, o regresso impôs-se até ao Solar Condes de Resende. Aos participantes, por isto e por aquilo, talvez recomendasse a releitura do conto “Adão e Eva no Paraíso” ou de “A Relíquia”, de Eça de Queirós, acompanhada de um bom copo daqueles tintos que festejamos nestes dois dias

J. A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor

D. Maria da Graça Salema de Castro
           
No passado dia 6 de setembro faleceu D. Maia da Graça Salema de Castro, presidente da Fundação Eça de Queiroz, que fundou e dirigiu durante um quarto de século, confrade de honra da Confraria Queirosiana e comendadeira da Ordem do Infante D. Henrique. Viúva de Manuel Benedito de Castro, neto de Eça de Queirós, a ilustre finada ficou sepultada no cemitério de Santa Cruz do Douro, no mesmo jazigo onde repousam os restos mortais do escritor e de seus descendentes. Ao funeral compareceram muitos familiares e amigos da ilustre finada, a ex-ministra da Cultura e atual deputada Gabriela Canavilhas, o presidente da Câmara de Baião, José Luís Carneiro, membros dos corpos gerentes da Fundação, da Confraria Queirosiana de várias instituições culturais e locais e povo anónimo, que assim lhe quiseram prestar a sua homenagem

Livros & Publicações

Colheita Literária de Outono


Um novo livro de Dagoberto Carvalho J.or nos chegou do Recife, com uma bela capa, cheio da palavra “Post Scripta” após os últimos livros, crónicas várias, que tive a honra de prefaciar lembrando pontes várias entre o meu município e o país gigante do lado de lá do Atlântico e que li na receção ao autor feita no Solar Condes de Resende a 25 de outubro de 2014. Ele retribui aqui galhardamente com texto e fotografias em “De volta a Canelas” e “No grande Porto” e muitas outras páginas onde perpassam A. Campos Matos, Isabel Pires de Lima, e quantos outros portugueses e brasileiros, falecidos e vivos, todos posando para a fotografia da cultura luso-brasileira que tem uma monumental dimensão no enorme coração de Dagoberto, inesgotável fonte de afeto por todos eles e pelos nadas, ou pelas gigantescas obras, que produziram ou produzem, caminhando em direção ao infinito da boa memória perante o sorriso de curiosidade de Eça de Queirós.
            Creio bem que a felicidade suprema de Dagoberto, que bem a merece, seria um dia reunir todos os seus amigos e familiares, vivos ou já partidos, estes representados pelos seus descendentes, na sua Oeiras do Piauí, num belo arraial luso-brasileiro capaz de poder dizer a todo o mundo: eis aqui o Quinto Império da fraternidade universal. Foi Vieira quem inventou. Não sabe, nunca ouviu falar? Azar o seu. Mas pode ficar desfrutando, que aqui tem uma boa parte do melhor que há na espécie humana, na família comum. Nem mais, que também não faz falta.

História de Baião

            No passado dia 18 de agosto foi apresentado ao público o primeiro volume da História de Baião, coordenada pelo arqueólogo Lino Tavares Dias e editada pela Câmara Municipal de Baião de que é presidente José Luís Carneiro. Intitulado “Em torno do ano 500” e da autoria de Arlindo Cunha, a obra está prevista para um total de 10 volumes, desde a Pré-história até à atualidade, a publicar até ao final de 2015, tendo como colaboradores, entre outros, para além do coordenador, o historiador Jorge Alves e o arqueólogo António Lima.


Investigação sobre Crestuma



No passado dia 15 de setembro foi lançado em Lisboa na Associação dos Arqueólogos Portugueses o livro “Contextos Estratigráficos na Lusitania (Do Alto Império à Antiguidade Tardia), coordenado por José Carlos Quaresma e João António Marques, o qual publica o texto intitulado “O Castelo de Crestuma (Vila Nova de Gaia): um contexto estratigráfico tardo-antigo no extremo noroeste da Lusitania”, da autoria de António Manuel S. P. Silva, Teresa P. de Carvalho, Laura Sousa e outros, da equipa do Gabinete de História, Arqueologia e Património da Confraria Queirosiana que estuda o Castelo de Crestuma.  


Douro Património


No passado dia 18 de setembro foi lançado no Mosteiro de Corpus Christi em Gaia um álbum de 6 desenhos a carvão com motivos do Vale do Douro da autoria do escultor Hélder de Carvalho, com textos poéticos de Jorge Velhote e design de Angélica Carvalho.
            Sendo natural de Carrazeda de Ansiães, muita da sua obra escultórica encontra-se espalhada por várias cidades e vilas do norte do país, sendo ainda autor de uma notável coleção de bustos-retratos de personalidades do nosso tempo. Na presente coletânea o traço vigoroso, mas muito exato, lembra afinal como nas paisagens que ora retrata o preto e o branco são as suas cores todas.

Misteriosidade

Com apresentação de Júlio Machado Vaz e de Sobrinho Simões, foi ontem, dia 24, lançado na Ordem dos Médicos do Porto o mais recente livro de Jaime Milheiro intitulado “Analista de Interiores… Misteriosidade”, com uma bela capa conseguida por Sofia Tavares a partir de um carvão de Armanda Passos de 1983. O interior apresenta uma série de ensaios em que «a sua leitura dos acontecimentos é sempre a do psicanalista» conforme avisa no prefácio Maria José Gonçalves, presidente da Sociedade Portuguesa de Psicanálise.
            Seguem-se então várias conferências e textos de reflexão em torno do conceito de “misteriosidade” que vem sendo trabalhada pelo autor neste e noutros livros já publicados, como «a essência e a qualidade dos sentimentos de mistério que existem em todos os seres humanos».
            Deste conjunto de reflexões altamente humanistas e psicologicamente claras como água destacamos “Mudam-se os tempos mudam-se as vontades” apresentada no Solar Condes de Resende a 29/04/2014 e depois publicada na Revista de Portugal n.º 11 (2014), bem assim como “Sonhando com Eça (em Gaia)” também ali apresentado em 2002 e publicado na mesma revista n.º 9 de 2012.
            Ali se escreve: «dos acorrentados na fé brotam os fundamentalismo». Creio que jamais alguém convidará Jaime Milheiro para qualquer reunião de pastores de almas, o que é pena, pois tal poderia ajudar a apagar «imensas artilharias» religiosas, sociais, mentais, culturais, civilizacionais, senão no mundo, pelo menos no corpo pensante de cada um. Mas o negócio das armas, sejam elas reais ou metafóricas, continua próspero. Um livro a ler e reler.

Outras atividades Culturais

Escavações de Crestuma: resultados e perspetivas



   Entre os dias 17 e 29 de agosto passado decorreram no complexo arqueológico do Castelo de Crestuma, Vila Nova de Gaia, escavações dirigidas pelos arqueólogos J. A. Gonçalves Guimarães e António Manuel Silva do Gabinete de História, Arqueologia e Património da Confraria Queirosiana, coordenando uma equipa de profissionais que desde 2010 têm vindo a pôr a descoberto os vestígios deste sítio debruçado sobre o Rio Douro, com ocupação entre a Idade do Ferro e a Reconquista, com especial evidência para os séculos IV-VI (Antiguidade Tardia e período suévico-visigótico).
            A presente intervenção teve como objetivos apurar a importância de construções detetadas nos anos anteriores junto à área portuária da praia de Favais e preparar um novo programa de intervenção que privilegie a frente ribeirinha nos próximos anos.
            A intervenção deste ano pôs a descoberto uma grande área aplanada na rocha onde são evidentes os testemunhos de derrube e abandono de construções, provavelmente devido a cheias a uma cota alta, por entre as quais se evidenciou o espólio cerâmico, nomeadamente de vasos de transporte e armazenamento de produtos (ânfora; dolia).
            Esta intervenção teve o alto patrocínio do Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, Prof. Doutor Eduardo Vítor Rodrigues, e o apoio do diretor do Departamento de Ambiente e Parques Urbanos, Doutor Nuno Oliveira, bem assim como o patrocínio da empresa SUMA e o apoio técnico do Solar Condes de Resende e da União de Freguesias de Sandim, Olival, Lever e Crestuma.

Jornadas Europeias do Património

            Conforme noticiamos na página de 25 de agosto, a Confraria Queirosiana, em colaboração com o Solar Condes de Resende e os seus investigadores aderiram, mais uma vez, às Jornadas Europeias do Património, este ano subordinadas ao tema Património Industrial e Técnico.
Assim, no dia 24, J. A. Gonçalves Guimarães participou como palestrante num colóquio destinado a alunos de Turismo no ISLA de Vila Nova de Gaia e no mesmo dia, às 21,30, decorreu no Solar Condes de Resende uma palestra pelo arqueólogo António Sérgio sobre o levantamento fotográfico do Património Industrial; hoje, dia 25, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, no seu Colóquio apresentaram trabalhos Jorge Fernandes Alves, Laura Cristina de Sousa, Maria de Fátima Teixeira e Silvestre Lacerda, entre outros. Amanhã, sábado, no Solar Condes de Resende, a partir das 15 horas, apresentarão os seus trabalhos de investigação sobre o tema, J. A. Gonçalves Guimarães; Maria de Fátima Teixeira; Susana Guimarães; Sílvia Santos; Joana Almeida Ribeiro; Susana Moncóvio; Licínio Santos e Mariana Silva.

Roteiro queirosiano de Aveiro

            O Correio do Vouga de 29 de julho passado, pela mão de Cardoso Ferreira, publicou um artigo sobre o Roteiro Queirosiano de Aveiro, onde, entre outros edifícios e locais, sobressaem a Casa de Verdemilho, do desembargador Joaquim José de Queiroz, avô de Eça, «chefe do movimento liberal de Aveiro 2m 1818» e o seu jazigo no cemitério de Aradas, para onde a viúva do escritor chegou a pensar trasladar os seus restos mortais. A Confraria Queirosiana e o Arquiteto A. Campos Matos têm vindo, de há anos a esta parte, a tentar sensibilizar a autarquia local para a premente preservação, dignificação e rentabilização cultural daquela casa e do restante circuito. Até hoje sem resultado.

Jornadas de Balsamão

            Nos próximos dias 1 a 4 de outubro decorrem no Convento de Balsamão, Macedo de Cavaleiros, as XVIII Jornadas Culturais organizadas pelo respetivo Centro Cultural, este ano sob o tema “Do global ao local: a Cultura Mirandesa”. Será orador, entre outros, o nosso confrade Andrade Lemos do Centro Cultural Eça de Queiroz de Lisboa, que em colaboração apresentará o tema “A origem dos mitos portugueses com especial referência aos de Trás-os-Montes”.

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Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 83 – sexta-feira, 25 de setembro de 2015; propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; Cte. n.º 506285685 ; NIB: 001800005536505900154 ; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral; colaboração: Dagoberto Carvalho J.or; Andrade Lemos; António Manuel Silva.